ESSA “MATÉRIA HUMILDE”

0
222

O poeta maranhense Ferreira Gullar escreveu um texto que se tornou célebre: “A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.

Esse compromisso com a vida, em suas manifestações mais simples e despretensiosas, é uma característica de todos que aspiram à verdade, à essência das coisas. Porque tudo que é básico, tudo que é desprovido de ostentação e das manifestações de poder é essencial, é primário para a compreensão e a realização da existência. Se são os poderosos que dirigem o destino do povo, é a gente simples, excluída, esquecida, que traz as grandes lições de vida e revela os íntimos segredos da grandeza escondida nas cozinhas, nos quintais, nas margens obscuras dos caminhos.

Homens e mulheres de poder, em suas diferentes faces, como Mai Karfi, Khalinny Dio, Shawara Milorne e Yarima Alhaji Peregrino escrevem a História. Mas são os menos afortunados que humanizam a trajetória da sociedade, escrevendo histórias tecidas na simplicidade das coisas, nos rodapés das páginas elegantes escritas com a tinta forte dos poderosos. São pessoas como Leken Asiri, Amarya, Murmushi Alheri, Dyna Teen, Budurwa, So Taushi que dão à História a dimensão mais verdadeira da vida. É essa “matéria humilde e humilhada” que toca no cerne do sentido final da peregrinação humana no planeta terra.

A Honra do Clã é um livro (em três volumes, na verdade) que foi pensado ― e escrito ― para entregar uma mensagem necessária. Num momento em que tantos leitores se contentam com uma literatura que navega nas águas plácidas dos amores rasos e das intrigas sentimentais, a narrativa épica desta trilogia nos convida para navegar em águas mais profundas, oferecendo ao público leitor uma história interessante, atraente e, ao mesmo tempo, consistente, densa. É uma obra que (seguramente) diverte, porém, não é esta sua principal virtude. É um livro que discute o ser humano e o mundo, propõe uma leitura crítica da realidade e induz à reflexão sobre temas necessários e atuais. Em grande medida, pretende ser a voz de muitos silenciados (como dizia Ferreira Gullar). E meu desejo é que esta trilogia cumpra a missão que é dada ao livro por Castro Alves ― de fazer “o povo pensar” (Castro Alves, O Livro e a América, in: Espumas Flutuantes, Biblioteca do Exército Editora: Rio de Janeiro, 2005).

É a arte espelhando a vida ― já que “a vida imita a arte”. Junte-se ao Clã!

Publique seu comentário

Leia também